Um trio de improváveis personagens se une na tentativa de desmembrar uma agência governamental que clona pessoas negras, visando controle mental e social. “Clonaram Tyrone!” estreou no canal de streaming Netflix no último ia 21 de julho e, enquanto escrevo esse texto, ocupa o primeiro lugar em filmes da locadora vermelha.
Fontaine, Slick Charles e Yo-Yo – respectivamente, Jonh Boyega (Star Wars: O Despertar da Força – 2015), Jamie Foxx (Homem-Aranha: Sem Volta Pra Casa – 2021) e Teyonah Parris (As Marvels – 2023) – são vizinhos em um bairro periférico ocupado por negros e tomado pela marginalidade. Sendo eles um traficante, um cafetão e uma garota de programa, os três se unem em um momento, no mínimo, esquisito, quando Fontaine é assassinado logo após cobrar uma dívida de Slick.
Na manhã seguinte, sem memória da própria morte, o traficante acorda em sua cama e, percebendo mais uma vez que não recebeu o dinheiro do agenciador de mulheres, volta até lá para cobrar sua dívida. Após o susto de receber em casa um “cobrador” que teria visto morrer na noite anterior, Slick conta com Yo-Yo para provar que não está louco. Assim, os três descobrem um laboratório subterrâneo e começa a “jornada para o incrível”. Totalmente regada a um humor nonsense, ficção científica e mistérios que fazem o espectador se perguntar por um bom tempo o que está acontecendo.
Ambientação, ao mesmo tempo, estranha e familiar
A direção de Juel Taylor traz um filme anacrônico, que nos revela um tempo que parece meio confuso. Toda arte do filme, figurino e cores, nos remete à “era disco”. No entanto, os diálogos fazem referências a filmes como “O Homem Sem Sombra”, de 2001 e é possível ver na TV uma cena de “O Grane Dragão Branco”, de 1988. Além disso, existe um filtro granulado que emula os filmes do movimento blaxploitation dos anos 1970 – talvez a verdadeira intenção do autor.
Essa ambientação desloca do tempo quem assiste ao filme, fazendo, dessa, uma história que se passa em qualquer momento – tornando atemporais as discussões que são postas. Afinal, envolto em sarcasmos, existe um debate pungente na aventura dos três: questões raciais, de apropriação cultural e de controle social. Tudo isso feito de maneira nada sutil, através dos hábitos culturais da população afro estadunidense.
Assim, mesmo parecendo um tanto confuso no início, a crítica social é eficiente, ao passo que não parece panfletária. Causa impacto mesmo envolto em piadas e com um tempo cômico, que embala o casal Slick/ Yo-Yo. Enquanto Fontaine assume a seriedade de quem percebe que há algo muito errado acontecendo em sua vida. Ainda que suas inseguranças não permitam que ele admita o medo que o envolve.
Um grande acerto
Assistir Jamie Foxx fazendo comédia é tão gratificante quanto vê-lo em filmes de ação. Sabemos que nesse ponto de sua carreira, ele não precisa mais se provar no quesito: já o vimos em Django Livre (2012) e em Homem-Aranha – nesse último, 2 vezes. Mas, em “Clonaram Tyrone!” o ator se destaca. Principalmente por conta de sua dupla. Teyonah Parris, a Monica Rambeau do Universo Cinematográfico da Marvel, consegue ter o equilíbrio perfeito entre alguém que carrega seus próprios fantasmas, mas não se deixa abalar pelas adversidades. As caras e bocas que ela faz sempre que seu agenciador fala alguma bobagem são a cereja do bolo dos diálogos do filme.
Yo-Yo é afiada, desconfiada, sabe que pode ser a ponta mais fraca da corda e, justamente por isso, não deixa que lhe menosprezem. Por outro lado, Slick é enorme, alto, e tem as feições que um cafetão da década de 70 deve ter. E, mesmo assim, é o mais sensível do trio e, com certeza, o mais covarde.
A chave de ouro fica por conta de John Boyega, quase sempre sério e com uma atuação bastante dedicada. Há uma angústia que circula o personagem, que carrega uma certa culpa pelo “trabalho” que exerce no bairro. Ele é a mola impulsionadora dos acontecimentos e, suas feições carrancudas, que ostentam grillz dourados, é o que dá o equilíbrio que o filme pede quando trata de assuntos sérios.
Repercussão de Clonaram Tyrone!
Elogiado pela crítica especializada, “Clonaram Tyrone!” foi bem recebido pelos americanos, antes mesmo de seu lançamento no streaming. O filme teve estreia em salas limitadas de cinema nos Estados Unidos. Desde que entrou no catálogo da Netflix o filme não saiu do top 10 e figura na primeira colocação desde o início desta semana. Paro o Rotten Tomatoes, a crítica especializada soma 93% de aprovação, enquanto há 100% do público. Já a nota para o IMDB está um pouco mais baixa, sendo 6,7/10.
De certo, a trama cumpre com as expectativas do diretor, que tinha em mente entregar um filme divertido, mas que fizesse o expectador acordar com uma pulga atrás da orelha no dia seguinte e se pusesse a pensar mais profundamente sobre o que viu. Rende ótimos momentos de comédia e reflexão.