Se você assina Netflix é muito provável que a essa altura você já tenha assistido a mais recente animação da locadora vermelha. Nimona (2023) está no serviço de streaming desde o último dia 30 de junho e veio recheada com boa fantasia, aventura e representatividade. Além de um tantinho de polêmica em seus anos de produção.
No longa, somos apresentados, inicialmente, ao protagonista e ao seu antagonista – e também namorado –, Ballister Boldheart (Riz Ahmed) e Ambrosius Goldenloin (Eugene Lee Yang). Ambos são soldados recém-formados da “Instituição dos Cavaleiros de Elite”: uma espécie de simulação do Serviço Militar que nós conhecemos. Uma instituição que protege a cidade murada governada pela Rainha Valerin (Lorraine Toussaint) e comandada pela “Diretora” (Frances Conroy).
Nesse ambiente que mistura era medieval e futurismo, podemos ver soldados vestidos em armaduras de metal, montando cavalos, usando armas lasers e procurando informações na internet. Há uma mistura meio insana de épocas. O que nos faz perguntar como existem pessoas que se vestem daquele jeito, ao mesmo tempo em que se tem à disposição tablets e celulares. Porém, não demora muito para que nos adaptemos a essa “insanidade”, já que esse contraste condiz muito bem com os paradoxos morais que a animação traz em suas mais diversas camadas.
Mas, afinal, quem é Nimona?
A personagem que dá nome ao filme (voz de Chloë Grace Moretz) aparece algum tempo depois da introdução da trama. Ela surge oferecendo-se a Ballister como assistente, uma vez que acredita que o recém nomeado cavaleiro é o assassino da rainha. Eu explico!
No ato de sua nomeação, a espada de Ballister abre-se em uma arma que dispara um raio à queima-roupa na rainha Valerin, matando-a. Como um reflexo inconsciente, Ambrosius decepa o braço do namorado, que foge, acusado de assassinato.
E é justamente por pensar que Ballister é culpado que Nimona se junta a ele, uma vez que ela se sente odiada por toda a cidade e isso lhe causa uma certa identificação com o pretenso vilão. É desse ponto que essa improvável amizade se desenvolve: o cavaleiro quer provar que foi vítima de um golpe e Nimona… Bem, a garota meio que quer ver o circo pegar fogo. Mas ela tem suas razões.
O que acontece é que nossa menina é uma transmorfa (alguém que pode se transformar no que quiser) e, por isso, é entendida pelas pessoas do reino como um monstro. E esse reino tem um certo passado com monstros. Ou, ao menos, é nisso que eles acreditam.
A lenda dos monstros além da muralha
A cidade onde Ballister cresceu vive rodeada por um muro, ao qual nenhum dos habitantes se atreveu a ultrapassar sob o pretexto de que, para além desse limite, o mundo estaria povoado de criaturas assustadoras. Essa “lenda” que permeia o imaginário da população teria surgido há mil anos, quando Gloreth (Karen Ryan), valquíria fundadora da Instituição dos Cavaleiros de Elite, teria derrotado um imenso monstro maligno que pôs fogo na cidade e quase matou seus cidadãos.
A história se perpetuou pelo reino, transformando seus habitantes em pessoas conservadoras, que lutam pela permanência de seu status quo e, assim, segue aversa a qualquer ideia de mudança.
Contudo, diferente dos seus governados, Valerin entedia que mudanças eram necessárias e, pela primeira vez na história, nomeou um plebeu (leia-se “pobre”) como um cavaleiro. Por tradição, essa posição era ocupada apenas por membros de elite daquela sociedade. Temos aqui a razão pela qual Ballister acaba sendo incriminado pelo assassinato da rainha.
É nesse contexto que o filme Nimona conversa com o expectador sobre aceitação de diferenças. Mas vai além: a animação satiriza o que o pensamento capitalista entende como meritocracia e mostra como é importante que se criem oportunidades para que pessoas que partem de lugares diferentes possam, em determinado tempo, ocupar os mesmos espaços que as pessoas que já nasceram “escolhidas”. E nós podemos descascar mais ainda essa cebola.
A adaptação de Nimona é melhor que o original?
Talvez você ainda não saiba, mas a animação de Nimona, dirigida por Nick Bruno e Troy Quane e roteirizada por Rober L. Baird, Lloyd Taylor e Pamela Ribon é, na verdade, uma adaptação de uma história em quadrinhos, de mesmo nome, escrita por ND Stevenson. Originalmente publicada apenas na web, entre 2012 e 2014, o formato impresso da HQ chegaria nas livrarias em 2015.
O que diferencia essa adaptação de tantas outras é que, mesmo sendo muito parecida com a obra original, ela possui diferenças que se distanciam bastante da versão escrita e, ainda assim, mantém sua essência. Ou seja, se você acha que, porque já leu os quadrinhos não precisa ver o filme, ou, se já assistiu ao filme, não precisa ler as HQ, você está bastante enganado!
Ambos contam a história por caminhos bem distintos e até seus desfechos ocorrem com peculiaridades muito próprias. A única coisa que não se perde em nenhuma das 2 obras, com toda certeza, é o carisma inegável da menina Nimona. Em boa parte, pelo trabalho de voz de Chloë Moretz. Em outra, pelo estilo de desenho que ressalta os olhos dos personagens e, assim, seus sentimentos.
Nimona conta uma história emocionante, com personagens cativantes, seja para os adultos que enxergam as entrelinhas, seja para os mais jovens, que buscam apenas uma história de fantasia. E não sou apenas eu quem diz isso: no Rotten Tomatoes, o filme conta com 93% de aprovação, tanto da crítica especializada quanto do público. O filme tem 1h e 41min de duração e, nos créditos, ainda podemos ver uma homenagem aso antigos funcionários de extinta Blue Sky. Vale muito a conferida – sozinho, ou com a família toda.